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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Povo Awá-Guajá: “Nós existimos”



Na região conhecida como Alto Turiaçu, no Noroeste Maranhense, mas um tanto da amazonia brasileira é destruída. Diariamente, caminhões e caminhões saem lotados da mata, roubando e assassinando os povos indígenas que sofrem com o drama da devastação da madeira dentro de seus territórios.

Na contramão dessas tragédias anunciadas, grupos de guerreiros deixam suas casas no seio da floresta para se encontrarem com os seus parentes. Em busca de aliados, o povo Awa Guajá sai da mata e com a cantoria dos karawaras, viajam para o céu e descobrem do alto um novo horizonte de destruição e aterrisam de volta com o grito: “Nós existimos”.

O Conselho Indigenista Missionário e o Povo Awá-Guajá, em parceria com a CNBB Regional Nordeste V, Diocese de Zé Doca, pastorais e movimentos sociais, realizaram um grande encontro denominado "Acampamento NÓS EXISTIMOS" TERRA E VIDA PARA OS CAÇADORES E COLETORES AWÁ-GUAJÁ.

O evento que aconteceu nos dia 01,02 e 03 de agosto na cidade de Zé Doca, localizada há 400 quilômetros de São Luís, também contou com a participação de lideranças indígenas de outras etnias como os Guajajara e os Ka’apor.

O Acampamento serviu de base para palestras e denúncias sobre a situação de invasões de Terras Indígenas no Brasil, em especial as do povo Awá, bem como outros informes sobre o atual momento do povo.

FUNAI tenta atrapalhar reencontro

O acampamento, a princípio, contaria com a presença dos representantes das 04 aldeias do povo Awá-Guajá: Tiracambu, Awá, Guajá e Juriti. De última hora a FUNAI, que seria a responsável pelo transporte dos indígenas da aldeia Juriti para o lugar do evento, alegou que não mandaria os índios e nem um representante do órgão, pois, segundo a FUNAI de Brasília, a cidade de Zé Doca estaria controlada por madeireiros e não oferecia segurança para os participantes. Entretantos, para os indígenas presentes, a FUNAI não participou pois não tem interesse em ajudar. “FUNAI tem é medo de índio”, revela Takaiju, liderança da aldeia Guajá.

O Acampamento é necessário para compreender e a apoiar as lutas dos Povos Indígenas, de maneira concreta, pela garantia e proteção de suas terras e por uma política indigenista voltada aos direitos, anseios, necessidades das comunidades indígenas; e as relações do “bem viver” estabelecidas pela maioria dos povos indígenas fundamentadas na reciprocidade entre as pessoas, na amizade fraterna, na convivência com outros seres da natureza e num profundo respeito pela terra.

O GRANDE ENCONTRO

Em um primeiro momento antes do Acampamento que aconteceu na Praça Matriz da cidade, os Awa Guajá das aldeias Tiracambu, Guajá e Awá se reuniram no Centro Diocesano de Zé Doca e celebraram com muita cantoria o reencontro dos parentes separados pelo contato. Em parceria com os Ka’apor, o duelo de cantadores se estendeu até altas hora, revelando uma grande harmonia entre esses povos.

Na manhã seguinte, os Awá se reuniram para traçarem estratégias para o Acampamento. Na pauta de discussões a questão da madeira foi a mais discutida, pois se trata da mesma realidade para todo o território Awá.

Itati, liderança da Aldeia Awá, falou a respeito da vida de seu povo, mostrou como vivem os awá. Os utensílios que utilizam. “Tudo isso aqui quem fez foi Awá, branco não deu nada pra índio. Eu acho muito bom”, orgulha-se a jovem liderança que também reclamou a ausência da FUNAI no encontro, mas destacou o apoio dos aliados. “Como vamos fazer para resolver nossos problemas ? O CIMI pode nos ajudar. Vamos nos organizar para nos encontrar outras vezes, dessa vez com os nossos parentes do Juriti.

Saulo Feitosa, secretário nacional do CImi, diz que o momento dos Awá é histórico e muito significativo. “vocês mostram que querem resolver seus problemas. Fiquei impressionado com a força da sua cultura, isso é um projeto de vida”. Comenta a respeito da dificuldade dos Awa deixarem as suas aldeias, as suas famílias e seus bichos. “É um esforço de vocês para mostrar para a população brasileira que o povo Awá Guajá existe”, afirma.

Madalena Borges, missionária do CIMI, se emociona ao falar do encontro, revela ser um sonho que está sendo realizado."Os Awá ainda vão conquistar muita coisa”, profetiza.

O ACAMPAMENTO

Na manhã do dia 02, os Awá Guajá saem em direção à Praça Matriz, aonde se realizou o Acampamento. Sob o olhar curioso da população local, os indígenas cruzam a praça entoando os cânticos dos karawaras.

Carlo Ellena, bispo da diocese de Zé Doca, foi o responsável pela abertura do evento, deu as boas vindas à todos os presentes. Na oportunidade ele destacou a preocupação da igreja com relação a situação dos povos indígenas, que é uma realidade de muita luta e resistência, lembrou que os povos indígenas estão presentes na mente e no coração da Igreja do regional e conhecem as dificuldades que os indígenas passam em suas aldeias.

”Eu fico muito feliz em encontrar vocês meus irmãos. Hoje é um dia muito importante e vocês devem expressar suas vontades, dificuldades e desejos”.

Don Xavier, presidente do Regional, leu para os participantes uma mensagem da XV Assembléia Regional de Pastoral da CNBB Nordeste V sobre a situação dos povos indígenas do maranhão. “Deixam-nos perplexos as intervenções do governo federal que em nome do progresso regional financiam hidrelétricas e outros projetos de grande impacto social e ambiental sobre as comunidades indígenas e seus territórios sem a devida consulta prevista inclusive pelo artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho”.

Takaiju, liderança Awá comenta a relação do índio no mundo dos brancos e do branco no mundo indígena, que é a realidade da mata. Do respeito de cada um quando vai na casa do outro. “Nós chegamos na cidade e não roubamos nada. Não fazemos mal pra ninguém. Se tiver dinheiro, índio compra. O karaí chega na mata e corta madeira, rouba a mata da gente que somos os donos da terra. Parente não gosta disso”, afirma.

O jovem cacique da aldeia Awa, Manãxika, falou do seu avô, que não vive mais. “O branco veio para terra dos índios e colocaram roça. Branco botou roça dentro da terra e o madeireiro chegou também. Estamos aqui na cidade para mostrar que Awá existe. Eu sou Awá e estou aqui com os meus parentes. Venho mostrar que eu estou vivo e madeireiro não vai acabar com a gente”, afirma.

Tiparexa’a, liderança da aldeia Tiracambu fala que o branco entra em sua terra, porque branco não gosta de índio e nem da natureza. “Nós gostamos muito da terra, comemos de graça. Quando venho para a cidade tenho que comprar comida de branco”, diz.

A BUSCA DE ALIADOS

Para o combate aos madeireiros que devastam seus territórios e a retirada dos invasores, os Awá perceberam que é necessário muito apoio. As entidades presentes no evento e também os Ka’apor e os Guajajaras, firmaram o compromisso com a causa Awá, se mostraram parceiros para eventuais campanhas e outras manifestações de apoio. “É vergonhoso para o Governo Brasileiro que seja preciso os índios montarem um acampamento para provarem que existem. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos se coloca a disposição para trabalhar em parceria com o CIMI e os povos índígenas”, prometeu Vicente, representante da SMDH.

A línguista e professora da Universidade de Brasília, Marina Magalhães que trabalha com o povo awá, estudando a língua materna, destacou a importancia do encontro para o povo Awá e os considera seus professores na arte de viver em harmonia com a natureza. “Vocês podem contar com a gente, estou propondo um grupo de pesquisa e de apoio entre os estudantes da UNDB para contribuírem com o povo Awá”, disse.

De acordo com o professor István Varga, da Universidade Federal do Maranhão, boa parte da população sertaneja que é jogada contra os índios tem sangue indígena e não se dá conta disso. “Aqui na região do alto Turiaçu houve no passado aliança entre os negros quilombolas e as populações indígenas para controlarem o avanço das frentes agrícolas”, comentou.

Antonio Guajajara, da Aldeia Nova, no município de Arame, convidou a população não indígena presente à apoiar a luta dos Awá. “As pessoas da cidade de Zé Doca precisam apoiar os meus parentes. Eles são muito importantes, um dia vocês vão precisar deles”, pediu.

De acordo com cacique Ceron Ka’apor esse tipo de reunião é muito boa para os índios, pois têm a oportunidade de conhecer a história de outros povos. “Estamos aqui também junto com os parente Awá-Guajá, para dizer que do jeito que está é muito difícil. O problema da madeira é muito grave. Madeireiro quer destruir tudo. Não pode deixar. Lá em nossa aldeia não deixamos madeireiro entrar”, afirma.

Para Saulo Feitosa o Acampamento teve várias conquistas. A realização dele por si já é uma delas. Pois se trata de uma região de conflito. “Foi um evento importante para a mudança de paradigma da população local, pois existe no imaginário popular uma visão muito distorcida dos povos indígenas”, afirma Saulo, destacando a importância dos depoimentos das pessoas da paróquia se solidarizando com a luta do povo Awá. O secretário nacional do CIMI, destacou o enfoque interno do Acampamento, a articulação dos Awá com os outros povos.

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